quarta-feira, outubro 04, 2006

É isto o "trabalho exemplar" do PCP?

Entre as várias competências da Assembleia de Freguesia, consignadas no artigo 17.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro), temos a incumbência de «acompanhar e fiscalizar a actividade da junta, sem prejuízo do exercício normal da competência desta», de uma forma casuística, posterior à respectiva prática dos actos, cabendo aos seus membros, «em qualquer momento», «solicitar e receber informação, através da Mesa, sobre assuntos de interesse para a freguesia e sobre a execução de deliberações anteriores».

E uma das atribuições que cabem ao órgão executivo da freguesia, nos termos do artigo 34.º da supra citada lei é, precisamente, «executar e velar pelo cumprimento das deliberações da Assembleia de Freguesia», sendo o respectivo Presidente aquele a quem é atribuída essa tarefa específica «sempre que para a sua execução seja necessária a intervenção da Junta», devendo «responder, no prazo máximo de 30 dias, aos pedidos de informação formulados pelos membros da Assembleia de Freguesia através da respectiva Mesa» (artigo 38.º).

Face ao exposto, a Assembleia de Freguesia de Cacilhas deliberou, na reunião de 27 de Junho de 2006, fosse «verificada a conformidade legal» do envio de postais de aniversário e cartas de saudação aos eleitores recenseados na freguesia, e se informasse a população, «através de edital, da respectiva autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, concedida para o efeito, nos termos do estabelecido na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro». Não esquecer que a bancada da CDU votou contra este acto normal de fiscalização, alegando que era “uma farsa” e uma “grande suspeição”, apesar de a mesma ter surgido na sequência das dúvidas legítimas e fundamentadas acerca da utilização indevida que a Junta fizera da base de dados do recenseamento eleitoral para recolher os elementos identificativos dos fregueses.

Naquela mesma reunião, Carlos Leal, Presidente da Junta de Freguesia de Cacilhas, informou os presentes que recorrera, efectivamente, àquela base de dados, embora considerasse desnecessária a pré-autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) e nunca tivesse admitido que cometera uma ilegalidade: «politicamente é um acto que eu assumo claramente a minha responsabilidade. Se violei a lei, não sei se violei, a base de dados que usei de facto é da base do STAPE, mas não foi crime nenhum…», posição que fora precedida pelo apoio da sua bancada (a CDU) cujo representante, Pedro Noronha, até fez questão de frisar que «há quem entenda que a lei é para ser cumprida e há quem entenda que a lei serve para ser violada sempre que se possa e lhe sirva os interesses.»

O certo é que, todavia, em 14/07/2006, Carlos Leal informa a Assembleia de Freguesia que o executivo decidira «suspender, de imediato, o procedimento em prática» e «solicitar parecer às instituições/entidades com competência neste tipo de matéria», o que se presume terá vindo na sequência da opinião veiculada pelo seu partido, o PCP, cujo Grupo Parlamentar se pronunciara sobre o assunto dizendo que: «as comissões recenseadoras têm ainda acesso à informação constante na BDRE relativa ao seu universo eleitoral através da cedência, pelo Secretariado Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral (STAPE), do respectivo ficheiro informatizado. Os condicionalismos necessários à viabilização do acesso devem ser definidos pelo STAPE, ou pelas comissões recenseadoras, conforme os casos, mediante prévio vinculativo da Comissão Nacional de Protecção dos Dados. (…) O presidente da Comissão Recenseadora é responsável pelo ficheiro informatizado dos eleitores e todos os que, no exercício das suas funções profissionais, tomem conhecimento dos dados pessoais inseridas na base, ficam obrigados ao sigilo profissional, nos termos da legislação em vigor de protecção dos dados pessoais.»

Embora, em entrevista ao Jornal da Região – Almada, de 17/07/2006, Carlos Leal assuma uma aposição contrária: «Confiante de que “não está a ser cometida qualquer ilegalidade”, o presidente assegura que vai continuar a enviar mensagens aos munícipes. “Não faz mal a ninguém enviar mensagens de aniversário ou primeira inscrição”.»

E, mais ainda, denotando um perfeito desconhecimento da lei sobre o funcionamento dos órgãos autárquicos, Carlos Leal afirma que a moção sobre protecção de dados pessoais «não vincula nenhum executivo», esquecendo-se de que o texto daquele documento não era meramente informativo, como confessa ao jornalista, mas continha uma deliberação que foi aprovada na Assembleia de Freguesia.

Por isso, quando, na última reunião do órgão deliberativo, de 27/09/2006, questionámos o Presidente da Junta sobre o parecer da CNPD que, supostamente, teria sido solicitado em Julho, e fomos informados, de forma lacónica, que o mesmo não existia porque não fora, ainda, sequer solicitado, o Bloco de Esquerda já estava à espera disso e, apesar de lamentar que assim tenha sido, não ficámos surpreendidos com o facto de não nos terem apresentado quaisquer razões justificativas para tal ocorrência.

Ou seja, é pública e evidente a intenção deliberada do Presidente da Junta de Freguesia, Carlos Leal (desconhecemos se com, ou sem, o aval dos restantes membros do executivo - uma coligação entre a CDU e o PSD), em não cumprir uma deliberação da Assembleia de Freguesia, assumida em 27/06/2006, nem tão pouco de respeitar uma decisão do próprio executivo, comunicada ao órgão deliberativo em 14/07/2006.

Perguntamos:

1. É isto «o trabalho exemplar do PCP em todas as instâncias do poder autárquico (…) sempre no cumprimento das regras e leis em vigor», como é referido na carta que o Grupo Parlamentar daquele partido envia a uma cacilhense que fez o favor de nos fazer chegar cópia da mesma?

2. Será que o Presidente da Junta pensa que por ter escrito que ia suspender o “procedimento em prática” isso torna irrelevante a solicitação do parecer que ele próprio diz que o executivo deliberou fosse requerido «às instituições/entidades com competência neste tipo de matéria» (que, neste caso, só pode ser a CNPD)?

3. O silêncio da CDU quererá significar que o executivo está consciente do grave lapso que foi cometido e, por isso, como não pensam voltar a incorrer na mesma ilegalidade, julgam que deixou de fazer sentido solicitar uma autorização que sabem de antemão seria negada?

4. Então, porque razão o Presidente da Junta, quando questionado pelo Bloco de Esquerda na Assembleia de Freguesia de 27/09/2006, não colocou tudo “em pratos limpos” e, de forma clara e transparente, informou os presentes sobre os motivos desse atraso e/ou recusa em contactar a CNPD?

5. Se é verdade que o PCP desenvolve um trabalho político sério em defesa de «uma sociedade justa e democrática, sempre sujeito ao enquadramento constitucional e legal português», o que faz esse partido, ao que tudo indica, desculpabilizar, em vez de responsabilizar, quem de entre os seus membros comete falhas que, se fossem outros a fazê-lo, já teriam sido bastante céleres em pedir a sua justa condenação?

Ponderando a existência de algumas atenuantes, nomeadamente a bondade dos objectivos sociais do acto praticado (que nos deixam, todavia, sérias dúvidas quanto à pureza da sua essência, dada a arrogância com que o Presidente da Junta de Freguesia insiste em não se retratar, muito pelo contrário), e apesar de já ter sido suspenso o envio de postais e cartas (que, acreditamos, tenha realmente acontecido), o certo é que foi cometido um crime de utilização indevida da base de dados do STAPE, o que ninguém pode nem deve esquecer sob pena de criar nos infractores a ideia de que, façam o que fizerem, são inimputáveis (não por demência mas por ausência de vontade dos responsáveis, em aplicar a lei).

Além de que, com essa atitude de aparente indiferença (à espera que o assunto caia no esquecimento?), pretendem enfraquecer a posição do Bloco de Esquerda na Assembleia de Freguesia de Cacilhas, onde facilmente será classificado como um partido que levanta problemas inconsequentes apenas para desestabilizar o normal funcionamento da autarquia e impedir que se discutam os problemas reais da freguesia, transformando os prevaricadores em vítimas do ímpeto legalista da eleita do BE.

Lamentavelmente, a verdade é que, depois da sobranceria com que a CDU tem abordado este assunto, nada nos assegura que não tenham havido outras utilizações nem tão pouco temos quaisquer garantias de que, no futuro, não venham a ocorrer abusos semelhantes para fins políticos, de efeitos menos visíveis e quase impossíveis de provar factualmente a não ser por denúncia directa, como seja a distribuição de “propaganda selectiva” dirigida a quadrantes específicos da população em período eleitoral, dando uma clara vantagem a quem detém essa informação em detrimento das outras forças partidárias que não têm esse conhecimento.

Mesmo na hipótese de aquele acto poder ter sido praticado sem a consciência de que se estava a violar a lei (embora seja caricato, e indesculpável, um órgão executivo, com o apoio da respectiva bancada no órgão deliberativo, onde existem pessoas com formação académica superior na área do direito, mostrar uma tão grande ignorância da legislação) isso não isenta de culpa quem o praticou, mais ainda quando nem sequer existe uma qualquer manifestação de arrependimento. Da mesma opinião foi o legislador ao determinar que a simples tentativa e a negligência fossem igualmente puníveis (artigo 40.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro) e não apenas a prática do acto em si, como aliás fica aqui provado que aconteceu no presente caso.

O que significa que o executivo da Junta de Freguesia de Cacilhas, mesmo tendo já suspendido a prática abusiva que cometeu, não cumpriu o dever de notificar, previamente, a CNPD da utilização que fez da base de dados do STAPE (artigo 27.º) pelo que, além do defeituoso cumprimento de uma obrigação legal, punível com a pena de contra-ordenação (previsto no artigo 37.º), utilizou dados pessoais (nome, morada e data de nascimento), de forma incompatível com a finalidade determinante da sua recolha (exclusivamente fins de recenseamento eleitoral) e sem condições de legitimidade adequadas, porque não tinham o consentimento inequívoco dos seus titulares (artigo 6.º), podendo os seus membros, em particular o Presidente da Junta, incorrer na prática de crime punido com a pena de prisão, ou multa até 120 dias, se for provada a intencionalidade com que agiram (artigo 43.º).

Artigos relacionados:
Notícia do Jornal O Mirante
Carta da CNPD
Moção aprovada
Requerimento 1
Declarações da CDU
Esclarecimentos do BE
Declarações do Presidente da Junta
Notícia do Jornal da Região – Almada
Carta do Grupo Parlamentar do PCP
Requerimento 2
Notas sobre AF de 27/09/06

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